sábado, 3 de agosto de 2019

Carta celeste


Estrelas, estrelas,
Enamorei-me de estrelas!

Pudera!

Do pálido azul ao rubro ardente,
No amarelo débil ou branco luzente,
Deu-me a lonjura prenda excelente.

Pérolas mil em negra enseada,
Amigas silentes, jóias ao nada,
Velas tantas de escura morada.

Quanto contemplei,
Quanto me foi dado!

Corria Órion caçador do Escorpião,
Prócion, veloz, do Menor Cão,
Antares a buscar sedento o cinturão
E as Marias Três receosas do aguilhão.

Sírio, Maior brilho, a fera vigilante,
Latindo ao Navio que rasga onda avante,
Canopéia capitã, na Popa alma errante,
E o Cruzeiro pouco abaixo, retrato espumante.

Imortais vi os irmãos Pólux, Castor,
Gêmeos bicolores amarrados pela dor,
Logo ali Aldebarã, Touro ruivo em furor,
E o Cocheiro da Capela levando seu senhor.

Foram bestas e homens a galgar o firmamento,
Gigantes peregrinos onde sopra nenhum vento,
Do Sul os mais belos, ó terra de contento!
Teu zênite o melhor, teu céu real alento!

Pudera!

Do pálido azul ao rubro ardente,
No amarelo débil ou branco luzente,
Deu-me a lonjura prenda excelente.

Pérolas mil em negra enseada,
Amigas silentes, jóias ao nada,
Velas tantas de escura morada.

Estrelas, estrelas,
Como não me enamoraria de estrelas?
 

Gabriel Lago.
 
[Imagem: Telescópio Espacial Hubble]

Lidas


Ó velhas, frias páginas,
Vós, que contais tesouros
Sem voz nem arquejo:

Ternas, minhas, tão cálidas,
De sortes mães e agouros,
Em trevas doce lampejo!

Levai-me a boas lágrimas,
Terras, dias vindouros,
Meu puro e caro desejo.

Sois ricas, altas, impávidas,
Núncias de honra e desdouros!
De fato vos tenho por sábias,
Amigas que amo e almejo.


Gabriel Lago.
 
[Imagem: Wilhelm Leibl]

Longânimo


Não te apresses a emitir teus juízos. Se és ligeiro no julgar, e tens um parecer sobre tudo o que te vem à ciência, e amas qualificar o que viste ou ouviste, e prontamente distingues o bom do mau, então ilusória é tua sabedoria. Insensato! O mais rápido é o primeiro a tropeçar nas rochas e a cair nos buracos. Antes, sê tardio com as palavras e devota-te à paciência; é preferível ser mudo conhecedor de mistérios a profundo falador de vaidades. Anda, persegue a instrução, escuta os prudentes, observa as coisas com cautela, pondera no coração, prova a alma. Senta primeiro no banco dos réus para um dia, talvez, sentenciares o mundo.


Gabriel Lago.

Trecho de “Provérbios Quaisquer”, disponível para leitura gratuita no Wattpad: (Clique aqui)
 
[Imagem: Victor Nizovtsev]

"Memento mori"


Quão estranho é o comprimento da vida! Atenta para a sua curteza, repara na sua vastidão. São breves os anos nossos, e passam como o vapor, e findam-se sem que saibamos quando, mas também são extensos, e árduos, e nos trazem profusas oportunidades; piscamos e voam as décadas, urgimos e arrastam-se as horas. É enigma do Detentor do Tempo, insondável nos feitos e na vontade. Vive, pois, com esta dualidade em mente, como o martelo que sabe cravar e arrancar: no que se pode esbanjar – o amor, a compaixão, a retidão, a esperança e a contemplação –, gasta os teus dias como se fossem os últimos; porém, no que se deve moderar – a liberdade dos atos, os bens, as palavras e as decisões –, planeja como se fosses partir em avançada idade. Isto a vida demanda: hás de ser ora pródigo, ora austero.


Gabriel Lago.

Trecho de “Provérbios Quaisquer”, disponível para leitura gratuita no Wattpad: (Clique aqui)
 
[Imagem: Philippe de Champaigne]