quarta-feira, 24 de julho de 2019

Lobos


Meu peito sofre o tinir de duas espadas a se chocarem no íntimo. A maior das batalhas não derramou sangue sobre terras áridas, tampouco destruiu cidades ou fragmentou países. Não. Há uma guerra interior que é capaz de sugar as últimas energias de um homem. São apenas dois soldados debatendo-se num confronto eterno, incansável, ferindo um ao outro nas profundezas de meu estômago, cortando-me os pulmões em cada investida, rasgando-me as entranhas com todos os seus golpes. Um dos guerreiros atinge o coração do oponente, porém rapidamente o órgão se reconstitui. Eles não morrem, não se bastam. Talvez a luta arrefeça um dia, mas não creio que há de terminar. É um lado contra o outro sem qualquer hesitação, o hemisfério direito do cérebro combatendo o esquerdo, o bem ante o mal, o vilão que se opõe ao herói. Maniqueísmo? Apenas dentro de mim. Por mais angustiante e desgastante que seja a batalha, pode-se chegar à conclusão de que é ela que me move. Já dizia um provérbio que existem dois lobos em peleja no âmago do indivíduo: um deles é a encarnação do medo, da mentira, da arrogância, da tristeza, do ódio. Seu inimigo é a coragem, a verdade, a humildade, a felicidade, o amor. Sobressai a fera que é alimentada. Não é demasiado extremista pensar assim? Ninguém vive só de otimismos, assim como não se pode ser pessimista o tempo todo. Um mundo colorido demais enfada. Preto e branco? Pior ainda. É melhor pensar que os lobos precisam se digladiar até meu derradeiro suspiro; afinal é a luta que fortalece seus músculos, amola suas garras e afia suas presas. Não há sentido em ter esperança quando não existem problemas a serem enfrentados. Um soldado depende do outro. Como as nações que desenvolvem novas tecnologias durante a guerra, minha mente também clareia quando as duas bestas tentam se devorar. Os animais ficam mais fortes e inteligentes. Sim, de fato parecem me destruir por dentro, mas esse é o custo para que eu me torne mais resistente por fora, mais determinado. Resta-me unir o melhor de cada um.


Gabriel Lago (2012).

[Imagem: Mikhail Avilov]

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