quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Maiúscula para quê?

Imagine o seguinte breve texto:

“Quando falamos de Pontuação, é necessário entender que esse Assunto depende de Fatores Gramaticais importantes, e entre Eles está a Sintaxe. Como usar a Vírgula? A Resposta está na Sintaxe.”

Notou algo estranho aí? Se o abuso das iniciais maiúsculas fez apitar o seu radar, esse é um bom sinal.


Por mais que o texto acima seja exagerado, é comum encontrar quem use as maiúsculas, em maior ou menor grau, sem nenhum critério, empregando-as onde “parece bem”.


Para sanar esse problema, trago alguns casos (não são todos) em que usamos as maiúsculas no início da palavra:


1. Nomes próprios: Gabriel, José, Maria, Brasil, Terra (planeta)…


2. Nomes de períodos e acontecimentos notáveis: Revolução Francesa, Segunda Guerra Mundial, Idade Média…


3. Início de citação direta:


“Jesus disse: ‘Amai uns aos outros’.”


4. Opcionalmente, em títulos de obras, a menos que haja outro motivo dentro deles para maiúsculas:


Memórias Póstumas de Brás Cubas” ou “Memórias póstumas de Brás Cubas”.


5. Opcionalmente, em áreas do conhecimento, disciplinas, doutrinas, correntes, escolas de pensamento:


“Língua Portuguesa” ou “língua portuguesa”; “o Cristianismo” ou “o cristianismo”; “o Romantismo” ou “o romantismo”.


Por outro lado, NÃO se usa maiúscula:


1. Em dias, meses e estações: segunda-feira, domingo, outubro, novembro, verão, outono…


2. Em nomes próprios que se tornaram comuns:


“Não sou nenhum macgyver, mas sei me virar.”


3. Em substantivo comum que faça referência a um nome próprio:


“A Universidade de São Paulo oferece o curso de Direito. Essa universidade é uma das melhores do país.”


4. Depois de dois-pontos, se não é citação, nome próprio etc.:


“É disto que preciso: férias!


5. Em palavras derivadas de nomes próprios: maquiavélico, platônico, machadiano…


Você conhecia esses princípios? Com eles, já tem um bom fundamento para usar as maiúsculas com moderação.


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Pare de usar o LHE em tudo

Se você constrói frases como “Quero lhe ver”, “Depois lhe encontro”, “Eu lhe admiro”, pare agora mesmo — e nunca mais volte a fazê-lo.

Sim, eu sei que é louvável sua intenção de não misturar o pronome oblíquo “te” com a terceira pessoa (ele, ela, você), mas usar o “lhe” indiscriminadamente não é a solução.

Você precisa conhecer a diferença entre os pronomes “lhe” e “o”, “a”.

Quando se trata de verbos transitivos diretos — aqueles que se ligam ao complemento sem preposição —, esse objeto é representado, no caso da terceira pessoa, pelo pronome “o” ou suas variações de gênero e número: “a”, “os”, “as”.

As frases que citei no início, por empregarem verbos transitivos diretos, ficam corretas assim:

“Quero vê-lo” (ou “vê-la”, se o objeto for feminino).

“Depois o encontro” (ou “a encontro”).

“Eu o admiro” (ou “a admiro”).

Isso vale para todo verbo transitivo direto. Se não se liga ao complemento por preposição, esqueça o “lhe” sem pensar duas vezes, porque ele não estará adequado aí.

O “lhe” tem uso com certos verbos transitivos INdiretos (aqueles que se ligam ao objeto por meio de preposição), especialmente quando se emprega a preposição “a”:

“Eu lhe darei um presente” (dar algo a alguém).

“Já não lhe emprestei dinheiro antes?” (emprestar algo a alguém).

“Estamos distantes, mas vou lhe escrever” (escrever a alguém).

Como se vê, no caso da terceira pessoa, há situações que pedem os pronomes de objeto direto (“o”, “a”, “os”, “as”) e situações que pedem os de objeto indireto (“lhe”, “lhes”). Por isso é tão importante ter um conhecimento bem firmado de transitividade e regência verbal.

Já chega de usar o “lhe” como partícula universal, não? É pelo bem da sua comunicação.

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sábado, 3 de agosto de 2019

Carta celeste


Estrelas, estrelas,
Enamorei-me de estrelas!

Pudera!

Do pálido azul ao rubro ardente,
No amarelo débil ou branco luzente,
Deu-me a lonjura prenda excelente.

Pérolas mil em negra enseada,
Amigas silentes, jóias ao nada,
Velas tantas de escura morada.

Quanto contemplei,
Quanto me foi dado!

Corria Órion caçador do Escorpião,
Prócion, veloz, do Menor Cão,
Antares a buscar sedento o cinturão
E as Marias Três receosas do aguilhão.

Sírio, Maior brilho, a fera vigilante,
Latindo ao Navio que rasga onda avante,
Canopéia capitã, na Popa alma errante,
E o Cruzeiro pouco abaixo, retrato espumante.

Imortais vi os irmãos Pólux, Castor,
Gêmeos bicolores amarrados pela dor,
Logo ali Aldebarã, Touro ruivo em furor,
E o Cocheiro da Capela levando seu senhor.

Foram bestas e homens a galgar o firmamento,
Gigantes peregrinos onde sopra nenhum vento,
Do Sul os mais belos, ó terra de contento!
Teu zênite o melhor, teu céu real alento!

Pudera!

Do pálido azul ao rubro ardente,
No amarelo débil ou branco luzente,
Deu-me a lonjura prenda excelente.

Pérolas mil em negra enseada,
Amigas silentes, jóias ao nada,
Velas tantas de escura morada.

Estrelas, estrelas,
Como não me enamoraria de estrelas?
 

Gabriel Lago.
 
[Imagem: Telescópio Espacial Hubble]

Lidas


Ó velhas, frias páginas,
Vós, que contais tesouros
Sem voz nem arquejo:

Ternas, minhas, tão cálidas,
De sortes mães e agouros,
Em trevas doce lampejo!

Levai-me a boas lágrimas,
Terras, dias vindouros,
Meu puro e caro desejo.

Sois ricas, altas, impávidas,
Núncias de honra e desdouros!
De fato vos tenho por sábias,
Amigas que amo e almejo.


Gabriel Lago.
 
[Imagem: Wilhelm Leibl]

Longânimo


Não te apresses a emitir teus juízos. Se és ligeiro no julgar, e tens um parecer sobre tudo o que te vem à ciência, e amas qualificar o que viste ou ouviste, e prontamente distingues o bom do mau, então ilusória é tua sabedoria. Insensato! O mais rápido é o primeiro a tropeçar nas rochas e a cair nos buracos. Antes, sê tardio com as palavras e devota-te à paciência; é preferível ser mudo conhecedor de mistérios a profundo falador de vaidades. Anda, persegue a instrução, escuta os prudentes, observa as coisas com cautela, pondera no coração, prova a alma. Senta primeiro no banco dos réus para um dia, talvez, sentenciares o mundo.


Gabriel Lago.

Trecho de “Provérbios Quaisquer”, disponível para leitura gratuita no Wattpad: (Clique aqui)
 
[Imagem: Victor Nizovtsev]

"Memento mori"


Quão estranho é o comprimento da vida! Atenta para a sua curteza, repara na sua vastidão. São breves os anos nossos, e passam como o vapor, e findam-se sem que saibamos quando, mas também são extensos, e árduos, e nos trazem profusas oportunidades; piscamos e voam as décadas, urgimos e arrastam-se as horas. É enigma do Detentor do Tempo, insondável nos feitos e na vontade. Vive, pois, com esta dualidade em mente, como o martelo que sabe cravar e arrancar: no que se pode esbanjar – o amor, a compaixão, a retidão, a esperança e a contemplação –, gasta os teus dias como se fossem os últimos; porém, no que se deve moderar – a liberdade dos atos, os bens, as palavras e as decisões –, planeja como se fosses partir em avançada idade. Isto a vida demanda: hás de ser ora pródigo, ora austero.


Gabriel Lago.

Trecho de “Provérbios Quaisquer”, disponível para leitura gratuita no Wattpad: (Clique aqui)
 
[Imagem: Philippe de Champaigne]

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Lobos


Meu peito sofre o tinir de duas espadas a se chocarem no íntimo. A maior das batalhas não derramou sangue sobre terras áridas, tampouco destruiu cidades ou fragmentou países. Não. Há uma guerra interior que é capaz de sugar as últimas energias de um homem. São apenas dois soldados debatendo-se num confronto eterno, incansável, ferindo um ao outro nas profundezas de meu estômago, cortando-me os pulmões em cada investida, rasgando-me as entranhas com todos os seus golpes. Um dos guerreiros atinge o coração do oponente, porém rapidamente o órgão se reconstitui. Eles não morrem, não se bastam. Talvez a luta arrefeça um dia, mas não creio que há de terminar. É um lado contra o outro sem qualquer hesitação, o hemisfério direito do cérebro combatendo o esquerdo, o bem ante o mal, o vilão que se opõe ao herói. Maniqueísmo? Apenas dentro de mim. Por mais angustiante e desgastante que seja a batalha, pode-se chegar à conclusão de que é ela que me move. Já dizia um provérbio que existem dois lobos em peleja no âmago do indivíduo: um deles é a encarnação do medo, da mentira, da arrogância, da tristeza, do ódio. Seu inimigo é a coragem, a verdade, a humildade, a felicidade, o amor. Sobressai a fera que é alimentada. Não é demasiado extremista pensar assim? Ninguém vive só de otimismos, assim como não se pode ser pessimista o tempo todo. Um mundo colorido demais enfada. Preto e branco? Pior ainda. É melhor pensar que os lobos precisam se digladiar até meu derradeiro suspiro; afinal é a luta que fortalece seus músculos, amola suas garras e afia suas presas. Não há sentido em ter esperança quando não existem problemas a serem enfrentados. Um soldado depende do outro. Como as nações que desenvolvem novas tecnologias durante a guerra, minha mente também clareia quando as duas bestas tentam se devorar. Os animais ficam mais fortes e inteligentes. Sim, de fato parecem me destruir por dentro, mas esse é o custo para que eu me torne mais resistente por fora, mais determinado. Resta-me unir o melhor de cada um.


Gabriel Lago (2012).

[Imagem: Mikhail Avilov]

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Leia com os olhos do espanto



Há poucos dias, numa dessas incansáveis andanças pelas redes sociais, testemunhei um indivíduo a explicar que os escritores antigos se demoravam nas descrições de objetos e cenas aparentemente simples porque, dentre outros motivos, em suas respectivas épocas as pessoas não conheciam o mundo como hoje. Essa verdade, tão simples e direta, nunca me ocorrera à mente; então ponderei e concluí que, de fato, perdemos os olhos de outrora.

Raciocinemos. O avanço da tecnologia e da ciência trouxe ao homem incontáveis benefícios, em especial o controle sobre a vida. Se um dia fomos reféns de gripes, hoje as dominamos com remédios e toda sorte de vacinas; se antigamente temíamos as tempestades e os trovões, agora os desafiamos com nossos para-raios e imponentes edifícios.  Além disso, através da televisão, da internet e dos meios cada vez mais baratos (e mais rápidos) de transporte, tornamo-nos capazes de conhecer o mundo como jamais seria possível a nossos ancestrais. Uma criança no interior do Brasil consegue, mal movendo os dedos, vislumbrar cidades no Japão e aprender sobre os animais da Antártida. Um empresário consegue, em dois dias, ir ao outro lado do mundo e voltar. Tamanho governo sobre as forças da natureza e sobre a transmissão de informações carrega consigo, porém, um efeito colateral: foi-nos furtado o espanto.

Espanto é assombro; é maravilhar-se, surpreender-se. Os antigos viam a tormenta se aproximar e já pensavam na fúria dos deuses; nós fechamos as janelas e confortavelmente nos aquecemos à luz do televisor, zombando da chuva que cai. Se a segurança, por um lado, é boa (afinal nos mantém saudáveis e longevos), por outro lado nos enfraquece a sensibilidade e a capacidade de deslumbre ante as cenas e os momentos da vida. E isso, inevitavelmente, afeta a leitura. A título de exemplo, imagine como foi a um camponês do século XIX, que nunca viu o mar nem sentiu a água espumante nos tornozelos, ler as aterradoras descrições de Herman Melville sobre a perseguição a uma baleia em “Moby Dick”. Sua reação certamente foi mais extasiante do que seria ao homem moderno. Estamos cercados pela computação gráfica. Dirigimo-nos ao cinema e, de maneira tão real que nem sequer divisamos o que é miragem e o que é gravação, testemunhamos feitiços e explosões, seres alienígenas e dragões, viagens a outros planetas e cidades se desfazendo em hecatombes. Como haveríamos de nos admirar perante o relato de um caçador dos mares? Estamos cansados de ver baleias – e peixes e tubarões e tantas outras criaturas – na tevê e na internet. Vamos à praia quase que anualmente. O vendaval tem sua devida explicação científica. Como haveríamos de nos admirar?

Minha intenção, contudo, não é tecer uma crítica, mas fazer um apelo. O espanto precisa ser resgatado. Se como bons leitores queremos ser encantados por flores, castelos e aventuras, o primeiro passo para o deleite é a ressurreição do espanto e o renascimento da sensibilidade. É realmente difícil apreciar a árvore no fundo do quintal quando o papel de parede do celular estampa uma paisagem ainda mais bela. É penoso ler dois parágrafos nos quais o autor descreve uma montanha quando todos os montes do mundo foram observados em uma pesquisa online. Mas as coisas hão de continuar assim? Se a resposta for positiva, é melhor que as páginas dos livros amarelem intocadas.

Não, não. Importa que a imaginação seja exercitada, reeducada, reiniciada. Quero idealizar redemoinhos e carruagens de fogo como um leitor da época de Cristo, não como alguém que já os viu em todos os ângulos e matizes nos filmes de Hollywood. Quero possuir a vida de um cavaleiro feito menino que sente o frio do metal pela primeira vez em seu corpo, não como alguém que montou dezenas de corcéis em um jogo eletrônico. Se tencionamos ter experiências melhores e mais profundas com as histórias que lemos, confio que a imersão aumentará à medida que nos treinamos e nos induzimos a abandonar as velhas visões, as imagens batidas e as cenas reiteradamente artificializadas, numa verdadeira limpeza da mente, e nos posicionamos como ingênuos de uma era remota que conhecem apenas os campos ao redor de suas casas e pouco afora isso. Somente então teremos autênticas surpresas e inesquecíveis assombros.

Felizmente, para esse propósito, não precisamos abandonar as máquinas ou as conexões ou os filmes ultracomputadorizados de heróis, tampouco entrar numa máquina do tempo e regressar a dias esquecidos. Temos, simplesmente, de transplantar a visão. Exercitar os olhos. Como todo bom hábito, a sensibilidade pode ser condicionada, reforçada. Não preciso renascer como um nativo da Floresta Amazônica para me maravilhar ao ler contos sobre a neve; basta colocar-me em seu lugar e tomar sua inexperiência por empréstimo. Posso, ainda, manter o papel de parede do celular, desde que resolva largar os sapatos para redescobrir o que é ter barro entre os dedos dos pés. Uma despretensiosa caminhada longe das buzinas e dos motores é o suficiente para que o gigante da próxima fábula se levante mais assustador, ainda que essa caminhada seja ficta, mental. Como se vê, não é preciso muito. Só é preciso ler – e querer ler – com os olhos do espanto.

Gabriel Lago.